14 fevereiro 2018

Que livro você está lendo hoje?

Há alguns anos, zapeando na tevê, parei num canal qualquer desses fechados que exibia uma entrevista com o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. O repórter perguntou: que livro o senhor está lendo hoje? Obama citou três títulos com a sinopse de cada num ritmo rápido, televisivo, o programa estava quase no fim. Quando os créditos subiram desliguei o aparelho, no entanto, o questionamento e a resposta do entrevistado me puseram contra a parede.

Sempre fui uma leitora ativa, por vários motivos, mas, essencialmente, pelo prazer que sinto na companhia de um livro bom. Isso não me livra dos momentos de abstenção, que acontecem com quase todos os que leem, pois as demandas da vida são tantas que nos perdemos de muitas coisas, inclusive das que nos agradam sobremaneira. Quando vi a entrevista estava imersa num desses hiatos. Sem um livro engatado para chamar de meu e, pior, sem expectativa para tal. O que é devastador tanto pelo ofício da palavra quanto pelo cotidianosimples.

Estou lendo nada! Esta é a resposta que teria para dar se estivesse no lugar de Obama. Ou, num cargo de tamanho destaque como o dele, o provável é que eu mentisse recorrendo a algum clássico, reforçando se tratar de uma releitura, por exemplo. Estou relendo Cervantes, seria uma boa réplica, a fuga conveniente. Parece que citando os autores pelo nome aparentamos proximidade com a obra e um suposto entendimento. 

Sem pretensão política alguma, é claro, eu me encontrava mesmo era na berlinda da consciência. A primeira coisa que passou pela cabeça foi: será possível que sou mais atarefada do que o líder da nação mais poderosa do planeta? Resposta rápida: não. Minha menteainda girou um pouco procurando justificativas do tipo: trabalho, filhos pequenos, afazeres domésticos, trânsito, curso de pós-graduação, atividade física etc. Tudo uma tentativa de escapar fedendo, autossabotagem como se diz. Em linhas gerais, quem não lê livros com frequência não o faz por falta de um desses itens: oportunidade ou interesse. Quase nunca é tempo que falta. 

Livros podem ser mercadorias caras ou sair de graça para quem tem acesso a uma biblioteca pública. Em Londrina, a sede da Biblioteca Municipal fica no centro da cidade, em cinco minutos é possível fazer o cadastro e estar apto a sair com até três títulos por vez. A poucos passos dela está a Biblioteca Infantil, um ambiente lúdico e acolhedor para crianças e adolescentes. Por lá, ótimas maneiras de se começar um leitor: Monteiro Lobato, Ziraldo, Ruth Rocha, Ana Maria Machado, entre tantos. Há sucursais em outrasregiões do município. O empréstimo pessoal, entre amigos, também é uma modalidade pulsante.

Há ainda no comércio local a opção dos sebos, com alguns preços de capa quase simbólicos. Esta semana estive num deles com meu esposo e filhos. Na fila do caixa, a nossa frente, uma senhora de cabelos alvos, trocava um vale-compras por uma quantidade exemplar de romances antigos, desses que a revelia de nós mesmos jamais envelhecem. Avisada pela funcionária que ainda lhe restavam R$ 3,50 de crédito, a mulher abandonou a fila por alguns instantes para buscar mais um título e saiu satisfeita.

Alguém, olhando os cabelos brancos da senhora, poderia pensar: ah, ela é aposentada, tem tempo de sobra. Será que ela lê porque sobra tempo? Não sei, não interroguei-a. Bem, tenho uma hipótese: é plausível que leia porque pertence ao mesmo grupo que eu e leitores de jornais diários como este: o grupo dos que têm oportunidade – e pode ser que ela tenha lutado muito por isso. Mas, ai, que dentro deste grupo, há o subgrupo dos que aproveitam a oportunidade (aqui me reinseri desde o choque da entrevista) e o dos que deixam a oportunidade passar. 

Publicado no jornal Folha de Londrina de 14 de fevereiro de 2018.

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