Anamaria sofria mais do que tudo com aquela situação. Olheiras entregavam as passadas noites insones. Havia também as palpitações, cãimbras, falta de fôlego e a gagueira. É, gagueira. Tinha dado para gaguejar depois de moça.
Um fastio de dar dó: nada comia e, ainda assim, nada lhe cabia no estômago. Qualquer sutil tentativa era premiada com... vômito. Depois, unhas quebradas, queda de cabelo. Relutou tanto quanto possível o auxílio hospitalar, até que o impossível chegou. Cedeu então - ''pior do que está não haverá de ficar''.
Colocou a língua para fora. Tossiu. Novamente. Disse trinta e três trinta e três vezes. Colheu sangue. Cafezinho na enfermaria: não, obrigada! Tirou a roupa atrás do trocador - ''o escapulário, por gentileza''. Respirou fundo. Prendeu o ar. Soltou o ar. Outra vez. Voltaria semana que vem.
Quando doutor Onofre entrou no consultório, Anamaria já estava a sua espera - e até mais engraçadinha, com uma fita azul no cabelo. Olhos ligeiros percorrendo envelope por cima de envelope. Um pigarro barítono. Começou assim: muito bem, mocinha... Ela não compreendia uma palavra com clareza, mas balançava a cabeça toda afirmativa.
O diagnóstico veio junto com a mão no ombro dela. Que seria dali por diante? Anamaria tinha um amor, não um câncer.
* Esse texto recebeu menção honrosa no 1° Prêmio Escriba, da prefeitura de Piracicaba (SP), em 2011.
* Esse texto recebeu menção honrosa no 1° Prêmio Escriba, da prefeitura de Piracicaba (SP), em 2011.