27 novembro 2017

Cinco razões para se arrepender

A poeta Hilda Hilst (1930-2004) escreveu em Presságio, seu primeiro livro, o verso seguinte: "Estou viva. Mas a morte é música. A vida, dissonância". Sim, estamos vivos. A vida, caótica e em desarmonia, nos põe em atividade constante. Corremos o tempo todo sem perceber que cantamos em outro tom, pisamos o pé do parceiro, batemos palma fora do ritmo. Então, finalmente, vem a morte soberana pôr fim ao descompasso. Morrer é igualar-se, entrar na mesma sintonia, pouco importa a juventude ou vivacidade de quem escuta a melodia final, o que pode nos parecer injusto e devastador. 

Na arte, o tema morte é icônico e sem cerimônia. No dia a dia, manifesta-se mais acanhado; para muitos de nós, só convêm tratar do assunto quando ele se aproxima demais, a ponto de ficar indesviável. O restante do tempo, vivemos como se fôssemos eternos. Bem, não somos. Um amigo disse que não pensamos em morte para não sofrer com antecedência. Por outro lado, não pensar a morte é como não pensar a vida, se levamos em consideração o adágio que diz que o contrário de morrer não é viver, o contrário de morrer é nascer. Vida e morte são, portanto, seguimento, não revés. Emaranhá-las tem um que de essencial. 

Misturo esses pontos todos enquanto leio sobre uma enfermeira australiana especialista em cuidados paliativos, ela cuida de pacientes em suas últimas semanas de vida. Tendo como base a vivência das pessoas que conheceu no leito de morte, ela escreveu um livro que se desenvolve a partir dos cinco maiores arrependimentos de quem está morrendo. O livro ainda não tem tradução para o português. 

O primeiro item da lista fala de sonhos deixados para trás, do remorso por ter direcionado a vida para atender as expectativas dos outros, passando por cima dos verdadeiros anseios. O segundo arrependimento é ter trabalhado tanto, presente no discurso de mulheres e, principalmente, de homens, cuja grande queixa gira em torno de não ter acompanhado o crescimento dos filhos e aproveitado a companhia da esposa. O terceiro pesar é por falar pouco dos próprios sentimentos, alimentando rancores e ressentimentos que apostam, inclusive, ter influído em sua saúde emocional e física. Perder contato com os amigos é o quarto tópico citado, uma saudade muitas vezes só percebida nos últimos dias. A quinta razão para se arrepender é não ter se permitido ser feliz; a maioria admite, ao final da vida, que felicidade não é sorte ou bênção, é uma questão de escolha. 

Refletir a respeito da finitude, admitindo que ela é natural para quem vive, talvez ponha todos nós num lugar-comum pouco confortável agora: também já começamos a nossa pequena lista. Estar entre a vida e a morte não é condição restrita a alguém que acaba de sofrer um acidente gravíssimo ou se vê diante de uma doença incurável num leito hospitalar. Estamos todos entre a vida e a morte pelo simples fato de estarmos vivos. E o que nos resta é viver e deixar viver, preferencialmente, de forma digna. O mais é letra e melodia. 

Publicado no jornal Folha de Londrina, em 28 de novembro de 2017.

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